O crédito irresponsável escraviza
- Alexander M Marques (AMM)
- 23 de mar.
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A facilidade na concessão do crédito passou a possibilitar melhores condições para consumo de bens e serviços para milhares de pessoas, motivadas não só por necessidades imediatas, como também por interesses pessoais para mero consumo.

Em relação a pessoas jurídicas, não foi diferente. Diante da necessidade de créditos para incrementar e manter as atividades econômicas exercidas, os níveis da dívida restaram por demais alavancadas, já que, igualmente, se sujeitavam a altos juros remuneratórios, especialmente numa economia que possui um dos maiores juros praticados no mundo.
O risco de endividamento alcançou índices preocupantes no mundo inteiro, sobretudo nas classes de renda baixa, desprovidas de educação financeira e pressionadas pelas crises econômicas. Movidas não só por interesses frívolos, mas por necessidades imediatas, a facilidade de obtenção de linha de crédito proporcionou crises de endividamento.
Num cenário de inflação e juros elevados, a oferta de crédito de forma descriteriosa das grandes corporações financeiras visando fins especulativos elevaram o risco do crédito. Com receio de calotes de empresas e de consumidores, que se encontravam o orçamento em vermelho, os credores, valendo-se de “lobby” no mercado e excelentes estruturas corporativas, partiam para prerrogativa legal de realizar a cobrança da dívida e recuperação do crédito.
Pressionado por falta de liquidez, parte-se, então, para renegociação com aplicação de mais juros, seja com o mesmo credor ou com outros, mediante a promessa de melhores condições de pagamento, mas sem real possiblidade de amortização do total da dívida.
Como prevenção e tratamento do superendividamento, tem-se optado pela revisão contratual ou a repactuação da dívida como forma de preservar o consensualismo entre as partes, bem como evitar a ruína e por consequência a exclusão social.
Nem sempre, porém, isso é viável, quando o devedor superendividado é levado a ruína. Fica preso, em seu nome, um saldo infindável, pois não mais consegue liquidar a dívida, sem reduzi-la ou repactuá-la com as formas de pagamento, supostamente, mais vantajosas oferecidas pelo credor, quase sempre intolerante a perdas.
No campo da responsabilidade civil, o Art. 187 do Código Civil em vigor deixa claro que configura ato ilícito o exercício de um direito quando excede os fins econômicos colimados pelo ordenamento jurídico. Configurado o abuso do direito, a tendência é de se admitir a responsabilidade de quem os violou, com base apenas no critério objetivo-finalístico.
No aspecto do inadimplemento, a concessão irresponsável do crédito pode ensejar a inexecução do contrato, por violação dos deveres anexos, uma vez inobservado o princípio da boa-fé, em especial por falta do dever de cuidado do credor, consoante orientação doutrinária, inclusive, estabelecida no Enunciado 24 do Conselho de Justiça Federal e na dicção do inciso V do §1º do Art. 113 e Art. 422, ambos do Código Civil.
De acordo com o Código Civil, a primeira parte do Art. 475, ainda que excepcionalmente, é possível ao devedor ter iniciativa de resolver o contrato, quando rompido, gravemente, o justo equilíbrio pelo progressivo inadimplemento tolerado pelo próprio credor.
Ainda pela ótica do aludido código, em relação ao contrato de empréstimo, por ser classificado doutrinariamente como unilateral, nada impede aplicação do Art. 480 do Código Civil à situação ora tratada, tendo por opção a redução da prestação obrigacional, com restabelecimento da justiça contratual.
Já pelo prisma do Código do Consumidor, o inciso XI do Art. 6º elegeu, além da revisão contratual e a repactuação da dívida, outras medidas como forma de garantia do crédito responsável e tratamento do superendividamento. Do mesmo modo, fê-lo o Art. 54-D, caput e inciso II, sem perder de vista que o parágrafo único preceitua que o descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput do mencionado artigo e nos arts. 52 e 54-C poderá acarretar judicialmente outras sanções.
Assim, por intermédio de interpretação analógica das expressões “outras medidas” e “outras sanções”, é possível admitir a resolução do contrato bancário como forma de proteção do crédito responsável e forma de tratamento do superendividamento em situações específicas, onde a equação econômica já foi cumprida e se mantém pelo exercício abusivo do credor, a custo do sacrifício desproporcional do devedor.
De modo expresso e mais claro, em caso de contratos conexos, coligados ou interdependentes, entre outros, assegurou-se ao consumidor o direito à rescisão do contrato – que abrange a resolução - contra o fornecedor do crédito se houver inexecução de qualquer das obrigações e deveres do fornecedor de produto ou serviço, nos termos do Art. 54-F, caput e §2º, do Código do Consumidor.
Assim sendo, em que pese haver entendimento em sentido contrário, há situações em que não faz mais sentido a continuidade do contrato pelo devedor superendividado, pois a equação econômica já remunerou em muito o credor. Ao invés de mitigar o prejuízo, a instituição credora, movida por fins especulativos, alavanca o lucro por meio de encargos excessivos ou repactuação da dívida sem oferecer reais condições para sua amortização, levando devedores a ruína. O contrato é mantido e conduzido para progressiva inexecução, a ensejar, portanto, sua resolução para efeito de liberar o devedor de uma dívida impagável, a preservando-lhe a dignidade como homo economicus.
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